Domingo quente de verão, crianças olhando insistentemente pela janela saudando o sol e invejando a liberdade dos pássaros, resolvemos fazer um passeio especial e que há algum tempo estava agendado em nossa lista de intenções: conhecer a exposição Brinquedos à Mão – Coleção Sálua Chequer, no espaço da CAIXA Cultural Rio de Janeiro.
O acervo é impressionante: mais de 1.300 objetos, utilizados pela infância de antigamente e ainda muito presentes nas comunidades nordestinas, tudo reunido pela curadora Sálua Chequer.
Pouco conhecidos das crianças dos grandes centros urbanos de hoje, os brinquedos expostos foram feitos à mão por artesãos que transformam barro, pedaços de pau e de pano, latas de óleo e caixas de papelão em objetos capazes de despertar emoções e fantasias, estimulando a criatividade e a afetividade.
Apesar de não ser permitido tocar ou brincar com as peças expostas, as crianças que forem à exposição não tem do que reclamar, pois poderão brincar à vontade no espaço Cantinho do Brincar, com objetos lúdicos como cinco Marias, pula corda, bolinhas de gude e piões, entre outros, todos propostos pela própria professora Sálua. Muito bacana e divertido, colocando a prova a sua fala de que “(…) criança é criança, em qualquer lugar do mundo, e o encantamento existe onde ela estiver”.
A exposição
As peças que compõem a exposição foram coletadas ao longo dos últimos 30 anos, durante pesquisas de campo de Sálua, em diversas cidades do interior e nas capitais. Os brinquedos foram adquiridos de artesãos, presenteados por amigos e garimpados em feiras livres de Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí.
Para chegar ao formato final da mostra, os curadores levaram em conta o diálogo entre três olhares: de quem criou o brinquedo, da colecionadora e do espectador que se encanta com o objeto. Em foco, a recuperação da importância e do valor pedagógico dos brinquedos populares como referência para as antigas e as novas gerações.
Expostos em suportes diversos, os brinquedos não são apresentados como peças de museu: convidam ao movimento, representam cenas do cotidiano e utensílios de trabalho, como pequenos moedores de cana-de-açúcar, carro de boi e moinhos de água. Há ainda mobílias de madeira e miniaturas de utensílios domésticos para a tradicional brincadeira de casinha, além de brinquedos mais conhecidos, como pula corda de sisal, peteca e piões, e peças indígenas como barquinhos à vela e boneco de pena e argila.
Alguns brinquedos poderão ser manuseadas por adultos e crianças que visitarem a exposição. Segundo o curador e artista visual Zé de Rocha, o brinquedo popular traz em si o encantamento dos jogos lúdicos. Não são objetos criados para o prazer visual, são obras que incentivam a interação e a troca. “Um simples pedaço de pano ou madeira tem a capacidade de, numa simples brincadeira, criar mundos e transformar vidas”, diz.
Aprendizados
Antes de ir para a amostra, pesquisei a respeito do trabalho e pensamento da professora Sálua como educadora, musicista, pesquisadora e brincante. Encontrei várias falas que me chamaram muito a atenção e abriram meu coração rumo ao desejo sincero de uma aproximação com seu trabalho. Numa entrevista, dada ao jornal O Globo (alguns desses links eu selecionei e disponibilizei ao final do post, para quem quiser se aprofundar), destaquei uma frase que me tocou muito: “A gente deixa de ser criança quando quer”.
Sua coleção é a prova real de que a grande magia do brinquedo é cair nas mãos de uma criança e ganhar vida. E, no caso específico dos brinquedos artesanais, destaca-se a qualidade de permitir que a criança invente, desenvolva sua história, crie. “O brinquedo pronto amolece a imaginação” diz a pesquisadora. E é verdade! A começar pelo processo de criação, onde não é difícil notar a diversão e a brincadeira já a partir das mãos do artífice.
Ao ver meus pequenos se divertindo ao perceber as possibilidades e interações possíveis em cada brinquedo, ou combinações de brinquedo, percebi o quanto esta simplicidade provê o encantamento, o livre e descompromissado brincar, a essência real da infância. Foi emocionante perceber como esses objetos realmente ganham nomes, histórias, regras próprias e toda uma significação que socializa, permite encontros, expande a criatividade e iguala as condições sociais sem a necessidade de grandes aparatos, marcas ou recursos que muitas vezes tolhem, enquadram, achatam e se repetem.
“Enquanto houver infância vai ter brinquedo”, diz Sálua. Eu concordo e ainda ouso complementar que enquanto houver brinquedo (de verdade) haverá infância. Sua exposição reúne brinquedos populares feitos à mão, como bonecas de pano, panelas de barro, bolas de meia… Em um mundo tão tecnológico, que apelo eles têm hoje? Sálua, no vídeo que é apresentado na exposição (e que disponibilizei alguns parágrafos acima), diz – já com olhos marejados – que “(…) queria que soubessem que tem pessoas que fazem esses brinquedos. E eu me emociono muito com isso”. Sua emoção é comovente e inspiradora, ao mostrar o que é brincar de verdade. Ao mostrar o encantamento que a simplicidade propicia. Ao mostrar que brincadeira é tato. Ao mostrar que o mais importante é o vínculo afetivo que se cria, além das descobertas que o brincar propicia.
Em meu nome e em nome de minha família, eu te agradeço, querida professora, pela generosidade, pelo trabalho, e por me fazer acreditar ainda mais em meu projeto. Quem sabe um dia não trocamos figurinhas?
😉
Serviço
Exposição Brinquedos à Mão – Coleção Sálua Chequer
CAIXA Cultural Rio de Janeiro – Galeria 3 (Av. Almirante Barroso, 25 – Centro)
Abertura: 17 de dezembro de 2016 (sábado), às 17h
Visitação: de 18 de dezembro de 2016 a 19 de fevereiro de 2017 – de terça-feira a domingo, das 10h às 21h
Telefone: (21) 3980-3815
Classificação inicativa: Livre
Entrada Franca
Fontes:
https://www.facebook.com/BrinquedosaMao
http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/salua-chequer-educadora-pesquisadora-gente-deixa-de-ser-crianca-quando-quer-20766291#ixzz4Xm4rVSFG
http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Default.aspx?newsID=4420
Belíssimo texto, Eduardo! Encanta, comove e aguça. Bendita seja a criança que ainda permanece em você!
Obrigadíssimo, Catherine! Alguns textos em seu belíssimo blog ArtenaRede auxiliam muito na lembrança desta criança que teima em se manifestar! 🙂