Há uns anos atrás tive a oportunidade de fazer uma viagem diferente. Uma viagem meio que sabática, onde muito do tempo nela investido foi voltado para o auto-conhecimento.
Nesse período, recebi um presente que muito me agradou: uma mochila nova. Não era uma mochila qualquer: era uma mochila perfeita! Não porque ela tivesse alta tecnologia, diversos compartimentos, materiais à frente do seu tempo ou qualquer funcionalidade extra que não fosse a de transportar o que cabia dentro de si. Mas porque era simples, neutra e pequena, moldada para se carregar o básico e evitar o desnecessário acúmulo de futilidades.
Essa mochila sempre se mostrou tão simbólica para mim… lembrava-me diariamente que eu deveria carregar comigo apenas o essencial, fazendo-me pensar diariamente nas prioridades que eu deveria dar para que não tivesse que conviver com as consequências de se carregar um fardo que não tivesse justificativa. Forçava-me a me despir de quaisquer vaidades, pois ela não era um artefato típico da moda corrente, não trazia consigo nenhuma marca ou qualquer dizer apregoando alguma atitude. Ela, por si só, era o recado. Era a atitude. Era o símbolo dos ensinamentos daquela viagem.
A mochila seguiu comigo durante muito tempo. Anos. Em nosso diálogo diário, muitas vezes lamentava a falta de algumas coisas ´a mais´ que me ajudariam a dar conta da correria do dia-a-dia. Mas aí me dava conta – nem sempre muito feliz, é verdade – que, em sua simplicidade, ela era um objeto que questionava justamente a correria, a loucura, o excesso. Em sua simplicidade, tentava ser a balança que me puxaria para o equilíbrio.
Um dia, lembro que estava para perder um metrô e, na pressa, ânsia e correria (olha só a combinação de palavras tão comuns à nossa rotina, novamente) para adentrar o vagão de forma minimamente organizada, e tentando guardar um molho de chaves em seu bolso menor, frontal, cometi um movimento brusco o suficiente para causar um estrago no fecho. O bolso nunca mais viria a fechar, ficando permanentemente aberto.
Meu lamento não podia ser maior. Parecia que ela – a mochila – me olhava boquiaberta (sim, eu juro que o bolso aberto me remetia a uma expressão de espanto) como que me questionando se, após tantos anos, eu ainda não havia entendido seu verdadeiro propósito. Tentei conserta-la durante o trajeto, mas nada. O estrago era proporcional ao meu lamento.
Ainda assim, não a abandonei. Continuei levando-a comigo, sem consertá-la. A mochila já estava surradinha, coitada. – Até que esse bolso aberto combina com ela… – pensei comigo mesmo. E me propus a um novo desafio: passar a contar com ainda menos ´capacidade de carga´. Afinal, foram muitos anos num exercício diário de uma máxima que aprendi na faculdade: “Menos é mais”.
O que viria a acontecer, porém, provou que minhas lições ainda não haviam cessado. E que esse simples objeto ainda seria responsável por outras surpresas.
Em meus trajetos diários, levando-a às costas, passei – com alguma frequência – a ser alvo de pessoas amáveis que, ao verem o tal bolso aberto, apressavam-se a vir até mim para avisar a respeito. Em todas as vezes, agradecia-as pela preocupação e pela gentileza. Numa cidade grande como o Rio de Janeiro a gente se desacostuma com essas coisas, infelizmente, até porque um sentimento de medo, receio ou mesmo de autopreservação acaba intimidando muitas possibilidades de interações.
Só que, para minha surpresa, em muitas vezes, a conversa se desdobrava. O que poderia ser um constrangimento ou mesmo uma situação a ser evitada naquelas dias em que se está cansado ou mesmo ´de saco cheio´, na verdade, passou a ser um teste para mim mesmo, com recompensas compatíveis às minhas reações. Alguns eram avisados de que a mochilinha velha de guerra estava apresentando seus primeiros problemas, e em troca davam conselhos ou sugeriam locais e/ou profissionais que me ajudassem. Outros davam conselhos ou confidenciavam receios de que eu tivesse sofrido algum furto (sim, imagino que ladrõezinhos tenham tentado tirar proveito, mas não havia nada lá…apenas a frustração dentro de um bolso vazio). Haviam transeuntes que, percebendo minha mania de ouvir música com fones de ouvido, faziam sinais, me cutucavam, sentiam-se na obrigação de se fazer percebidos para cumprir com uma boa ação. Surgiram brincadeiras e piadas, ouvi histórias, recebi puxões de orelha (acredite!) dei risadas, emocionei-me com relatos os mais variados possíveis… enfim, passei a perceber que este objeto, mais uma vez, ajudava a intermediar o contato entre pessoas que se importavam com outras, num exercício de empatia na forma mais simples possível!
Recentemente aposentei essa mochila. Já estava desgastada em excesso, apresentando alguns rasgos que já atentavam contra sua dignidade e capacidade. Após anos de cumplicidade, percebi que ela merecia um descanso. Não foi descartada. Ela está num cantinho aqui. Mas não sem antes dar um abraço afetuoso nela, como se ela entendesse essa relação que construí ao passar do tempo.
Ganhei uma outra mochila, apenas um pouco maior em tamanho e que já estou usando com o mesmo comedimento espacial. Preciso fazer jus ao aprendizado! Mas confesso que sinto falta das interações que a outra mochila provia, com o devido filtro para pessoas de bem. Mas tenho certeza de que boas histórias estão por vir. Elas estão por aí: muitas regidas pela gentileza, outras pela simpatia ou caridade e algumas pela empatia, pela solidariedade. Mas as menores razões podem te aproximar dela. Como, por exemplo, uma mochila que, dentre todos os apetrechos e pensamentos que me ajudava a carregar, trazia consigo o real significado de se dizer: ´Muito obrigado!`